Em meio a um cenário de crescente tensão institucional, vozes da sociedade civil, do meio jurídico e empresarial começam a se levantar contra o que já se convencionou chamar de “ministrocracia” — o domínio individual de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre decisões que impactam a política, a economia e a própria democracia brasileira.
Juristas ligados à Fundação Fernando Henrique Cardoso e à OAB-PR passaram a se manifestar publicamente contra os abusos e desequilíbrios de atuação do STF. Entidades como o Instituto Sivis, Fiesp, Fiergs e Federasul somam-se à cobrança por limites e contenção da Corte, apontando a urgência de restaurar a colegialidade, ou seja, que as decisões sejam tomadas em conjunto e não determinadas pela vontade de um único ministro.
Essa centralização de poder nas mãos de poucos — ou, por vezes, de um só — tornou-se a marca de um tribunal que, segundo críticos, age como poder acima dos poderes, ignorando os freios e contrapesos da Constituição e transformando a democracia em refém de decisões pessoais e políticas.
Um dos pontos centrais do debate é a proposta de criação de um código de conduta para ministros do Supremo, com regras sobre imparcialidade, conflito de interesses e quarentena pós-mandato. Apesar de parecer uma medida básica de integridade pública, o ministro Alexandre de Moraes afirmou, em 2023, “não ver a mínima necessidade” de tal código, alegando que a Constituição já define padrões éticos.
Especialistas, porém, discordam. Para o constitucionalista André Marsiglia, se o STF for o próprio responsável por regulamentar sua conduta, corre-se o risco de a Corte criar exceções convenientes e tornar as regras inócuas. Já a doutora em Direito Público Clarisse Andrade alerta para o “baixo grau de fiscalização externa” e questiona: “Quem fiscaliza os que fiscalizam?”
As manifestações se multiplicam. Em agosto, a OAB do Paraná divulgou manifesto denunciando a condução arbitrária dos julgamentos dos réus do 8 de janeiro, apontando penas desproporcionais, interpretações forçadas e violações ao devido processo legal.
Entidades empresariais também têm se posicionado. A Fiesp e a Fiergs condenaram decisões monocráticas de Moraes que autorizaram operações contra empresários por mensagens privadas, sem provas concretas, classificando-as como “incompatíveis com o princípio da razoabilidade”.
A Federasul e mais de 120 instituições do Sul do país repudiaram o que chamam de criminalização do pensamento, alertando que críticas privadas ao STF não configuram crime, mas sim o exercício legítimo da liberdade de expressão.
Outro ponto de atrito é a decisão do STF de reinterpretar o artigo 19 do Marco Civil da Internet, responsabilizando plataformas por conteúdos de terceiros — uma mudança que, segundo o Instituto Sivis, fere tratados internacionais e cria insegurança jurídica.
A medida, avaliam especialistas, inaugura a era da censura preventiva, onde empresas passam a remover conteúdos legítimos por medo de punições — um efeito devastador à liberdade de expressão e ao debate democrático.
As críticas se estendem às decisões que anularam provas da Operação Lava Jato e beneficiaram grandes grupos econômicos e políticos. A OEA e a Transparência Internacional alertaram que tais decisões, especialmente as do ministro Dias Toffoli, enfraquecem o combate à corrupção e transformam o Brasil em um “cemitério de provas sobre corrupção transnacional”.
Esses episódios consolidam a percepção de que o Supremo atua como ator político, com poder desmedido e sem qualquer contrapeso.
Para o comentarista político Luiz Augusto Módolo, o STF tornou-se “onze ilhas dispersas”, em que cada ministro decide isoladamente, sem coerência institucional. Já o cientista político Gustavo Alves vê nas recentes manifestações “um movimento ainda tímido, mas crescente”, que pode marcar o início da reação da sociedade civil contra a tirania judicial.
O consenso entre juristas, empresários e entidades civis é claro: o Supremo precisa ser contido.
Não há democracia sólida quando um poder se coloca acima dos demais, ignora a Constituição e transforma a lei em instrumento de perseguição ou autoproteção.
A restauração do equilíbrio entre os Poderes — e da confiança pública — depende de coragem, transparência e da recusa em aceitar que a vontade de um ministro possa se sobrepor à vontade de uma nação inteira.