Retrato de um juiz criminoso

Por Paulo Briguet

    18/06/2025 17h46 - Atualizado há 13 horas

    Mais uma família brasileira, entre milhares, está sendo destruída pelo Supremo Soviete Federal: Gisele Alves Guedes de Moraes acaba de ser condenada a 14 anos de prisão. A cantora e jornalista de 38 anos, moradora de Planaltina–DF, é mãe de sete filhos (dois adolescentes e cinco crianças, entre eles um bebê de um ano) e tem sérios problemas de saúde. Como na maioria esmagadora dos casos de 8 de janeiro, não existe nenhuma prova contra ela. Simplesmente, Gisele estava na hora errada e no lugar errado.

    Por algum motivo, o caso de Gisele me faz pensar novamente em outra corte judicial, que funcionou na Alemanha nacional-socialista de 1934 a 1945. Refiro-me ao Tribunal do Povo (Volksgerichthof), presidido pelo juiz Roland Freisler (1893-1945).

    No Tribunal do Povo, Freisler tornou-se conhecido por julgar crimes políticos contra o regime. Entre 1942 e 1945, ele proferiu mais de 5 mil sentenças de morte. Era um juiz implacável: mais de 90% dos réus que passavam por ele eram condenados à pena máxima. Frequentemente as sentenças estavam prontas antes dos julgamentos.

    A história de Freisler é bastante curiosa. Ele lutou na Primeira Guerra Mundial, participou da sangrenta Batalha de Ypres e, em 1915, na frente leste, foi aprisionado pelos russos. Enquanto estava na prisão, os comunistas bolcheviques tomaram o poder na Rússia, e Freisler se aproximou do novo regime, comandando um campo de prisioneiros e trabalhando com o abastecimento do Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa. 

    Em 1920, uma reviravolta. Após ter servido aos comunistas, Freisler voltou para a Alemanha e alguns anos mais tarde filiou-se ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista. Na opinião do célebre jornalista e historiador William Shirer, Roland Freisler era “talvez o mais sinistro e sanguinário nazista do Terceiro Reich, depois de Heydrich”.

    Com a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, Freisler galgou vários degraus no regime: foi membro do Reichstag, diretor ministerial na Prússia e depois secretário de estado no Ministério da Justiça do Terceiro Reich. 

    Na revista jurídica Justiça Alemã (Deutsche Justiz), publicou vários artigos em que defendia um direito penal baseado na vontade. Ou seja, para ele, a simples vontade de cometer um ato, e não o ato em si, deve ser objeto da mais severa punição. 

    Em um de seus artigos, em que comentava a aplicação do Código Penal nazista, Freisler afirmou: “Para o inimigo do Estado e da comunidade do povo, há apenas um caminho em seu julgamento e condenação: severidade sem freio e, se necessário, aniquilação”.

    No Tribunal do Povo, Freisler teve a chance de colocar suas ideias em prática. Em três anos de trabalho, ele condenou mais pessoas à morte do que todos os outros juízes durante os 11 anos de existência do tribunal. 

    Sua implacabilidade despertou a atenção do próprio Hitler. O ditador o teria chamado de “nosso Vychinsky”, em referência ao infame procurador comunista responsável pelos Processos de Moscou.

    'Nos julgamentos presididos por Freisler, um simples comentário negativo sobre o regime era suficiente para condenar uma pessoa à morte'

    Entre milhares de casos, citarei apenas três.

    Em fevereiro de 1943, a estudante Sophie Scholl e seus colegas do grupo Rosa Branca foram condenados à morte por decapitação pelo crime de distribuir panfletos mimeografados contrários ao regime.

    Em novembro de 1943, o médico Alois Geiger, cuja família abrigara a mulher grávida de um oficial que estava na frente de batalha, comentou à mesa de jantar que uma derrota da Alemanha era possível. A esposa do militar mencionou o comentário de Geiger numa carta ao marido e Freisler condenou o médico à pena de morte por alta traição.

    No verão de 1943, a costureira Elfriede Remark, irmã do célebre romancista Erich Maria Remarque, autor do livro antibelicista “Nada de Novo no Front”, comentou com uma cliente que não acreditava numa vitória alemã em que os soldados germânicos estavam sendo oferecidos como “animais para o abate”. Ela também disse que mataria Hitler, se pudesse. Elfriede foi condenada à morte por Freisler e assassinada pelo regime em 29 de outubro de 1943. O juiz comentou durante o julgamento:

    — Seu irmão escapou de nós, mas você não escapará.

    Emblema de um regime liberticida responsável pela morte de milhões de pessoas e que não tolerava a menor manifestação de dissidência, Roland Freisler, o juiz criminoso, morreu durante um julgamento. 

    Em 3 de fevereiro de 1945, houve um pesado ataque aéreo a Berlim. Uma das bombas lançadas de aviões americanos caiu sobre o Tribunal do Povo e uma viga atingiu Freisler. Um médico que passava pelas redondezas foi chamado e constatou a morte do juiz. 

    Esse médico era irmão de Rudiger Schleicher, condenado à morte por Freisler um dia antes.


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