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08/02/2024 às 18h48min - Atualizada em 08/02/2024 às 18h48min

‘O Supremo reescreveu a Constituição’, diz Ives Gandra

Por Fausto Macedo

Em entrevista ao ‘Estadão’, aos 89 anos, professor emérito da Faculdade de Direito do Mackenzie expõe ceticismo ante tendências do STF para 2024, condena o critério ‘amigo do presidente’ adotado na escolha de ministros da Corte e considera que o princípio da ampla defesa foi mitigado, ‘numa violação do texto maior’.

Prestes a completar 89 anos, neste próximo dia 12, o advogado Ives Gandra Martins, professor emérito da Faculdade de Direito do Mackenzie, vislumbra um 2024 mergulhado em ceticismos e desconfianças. Especialmente quando espreita tendências do Supremo Tribunal Federal, que ele qualifica cada vez mais ‘politizado’. “Receio que o Supremo continue invadindo a competência legislativa do Congresso, gerando tensão nas relações com o Parlamento”, prevê.

Não agrada ao lendário jurista de tantas jornadas e embates, por exemplo, o fato de que ministros estão chegando à Corte pelo critério ‘amigo do presidente da República’. Ele está se referindo a Flávio Dino, o mais recente indicado, que assume dia 24 – por enquanto, Dino ainda exerce a função de ministro da Justiça e Segurança Pública de Lula, de quem é muito próximo.

Indagado sobre sua expectativa com o desempenho do novo ministro em cadeira tão distinta do Judiciário, Ives revela incredulidade. “Espero que prevaleça o magistrado e não o político, mas também tenho receio que não.

Em entrevista ao Estadão, Ives Gandra Martins discorre sobre o Supremo dos dias atuais e aponta para um caminho que reprova. “O STF tem invadido a competência legislativa, tanto do Congresso como do Executivo.”

Se diz contra a fixação de mandato dos ministros, como sugerido por parlamentares insatisfeitos com o que chamam de ‘intromissão’ do Poder vizinho em questões inerentes ao Legislativo, mas tem sugestão a dar. “Não sou favorável a mandatos, pois traria maior instabilidade, mas gostaria que os ministros não fossem escolhidos com o livre arbítrio de um homem só, e sim de uma lista de 18 nomes indicados 6 pelo Conselho Federal da OAB, 6 pelo Ministério Público (3 Estadual e 3 Federal) e 6 pelos Tribunais Superiores (2 STF, 2 STJ e 2 TST).”

Entre uma e outra emenda à conduta da Corte maior, o professor carrega uma certeza: 8 de janeiro não foi golpe de Estado. “Sem armas e sem as Forças Armadas seria impossível um golpe”, avalia.

Aos seus olhos, a marcha daquela turba sobre a praça dos poderes ‘foi uma baderna semelhante ao que o PT e MST fizeram na Câmara dos Deputados na Presidência de Michel Temer, com destruição de suas dependências e com punições próprias de uma baderna e não de um golpe’.
 

LEIA A ENTREVISTA DE IVES GANDRA AO ESTADÃO:

Estadão – Qual a expectativa do sr para 2024 com relação ao Supremo Tribunal Federal?

Gandra Martins – Tenho a esperança de que o STF volte a ser o guardião da Constituição, conforme definido no artigo 102 da Constituição Federal de 1988, como à época dos ministros Moreira Alves, Oscar Corrêa, Sydney Sanches ou Cordeiro Guerra, pois qualidade técnica e ética, todos possuem. Sem invadir a competência do Legislativo, nos termos do artigo 49 inciso XI ou 103, §2º da Lei Suprema. Tenho, todavia, receio que continue invadindo a competência legislativa do Congresso e gerando tensão nas relações com o Parlamento.

Estadão – O sr. prevê mudança importante na condução dos julgamentos da Corte com a chegada do ministro Flávio Dino?

Gandra Martins – O ministro Dino foi juiz federal concursado. Como participei de duas bancas examinadoras de juiz federal em São Paulo (1º e 11º concursos do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região) sei da dificuldade para ser magistrado. Cada concurso durou um ano. Exigíamos o máximo dos candidatos, alguns milhares. Espero que prevaleça o magistrado e não o político, mas também tenho receio que não.

Estadão – Confia que Flávio Dino terá uma atuação independente ou será um ministro alinhado ao governo Lula e a pautas de interesse do Palácio do Planalto?

Gandra Martins – Lula espera que seja alinhado com o Palácio, pois disse que teria um ministro comunista e político. Minha esperança é que sabendo da importância de ser ministro e já tendo sido magistrado, é que se curve às exigências do direito e não da política, mas tenho receio do contrário.

Estadão – Qual a sua recomendação para que Dino exerça um papel eminentemente de magistrado?

Gandra Martins – Que siga o exemplo daqueles que fizeram a história da Suprema Corte. Talvez, o ministro Moreira Alves seja o melhor modelo. Quando saíamos em congressos jurídicos, onde sempre se negava a falar ou responder sobre questões submetidas ao Tribunal, à rua ou para jantar, todos olhavam com admiração e diziam ‘lá está um ministro do Supremo’. É algo que já não acontece com os ministros da Corte. Tenho também o receio que não siga.

Estadão – Atribui-se um acentuado protagonismo ao Supremo, nos últimos meses, especialmente. Qual a sua avaliação?

Gandra Martins – Concordo. Ao adotarem, os magistrados, as correntes próprias das Cortes Constitucionais de sistemas parlamentares de governo, que não chegam a ser parte efetiva do Poder Judiciário, como da ‘jurisprudência constitucional’, ‘consequencialismo’ ou ‘neoconstitucionalismo’, tem invadido a competência legislativa, tanto do Congresso como do Executivo. “Data máxima vênia”, não foi isto que os Constituintes desejaram para o STF, colocando no Poder Legislativo a faculdade de zelar por sua competência normativa perante o Judiciário. Considero que, ao assim agirem, descumprem a Constituição deixando de ser só guardiões para serem legisladores suplementares, quando não, primários.

Estadão – Senadores e deputados têm feito severas críticas à Corte e defendem, inclusive, fixação de mandato para seus ministros. O sr. concorda? Por quê?

Gandra Martins – Não sou favorável a mandatos, pois traria maior instabilidade, mas gostaria que os ministros não fossem escolhidos com o livre arbítrio de um homem só, mas sim de uma lista de 18 nomes indicados 6 pelo Conselho Federal da OAB, 6 pelo Ministério Público (3 Estadual e 3 Federal) e 6 pelos Tribunais Superiores (2 STF, 2 STJ e 2 TST).

Estadão – Outros reputam necessária uma mudança na forma de composição e escolha de ministros do STF. Alegam que as indicações obedecem critérios políticos e recaem sobre amigos do presidente da República. Qual a sua sugestão?

Gandra Martins – De acordo que a escolha, nos últimos tempos, tem sido de amigos do presidente da República. À minha sugestão acrescento que dos 18 nomes indicados, 8 seriam magistrados e 3 com alternância de indicação do Ministério Público e da Advocacia.

Estadão – Reconhece que o STF se tornou alvo de ataques porque sufocou o 8 de Janeiro?

Gandra Martins – 8 de janeiro não foi golpe de Estado porque sem armas e sem as Forças Armadas seria impossível um golpe. Basta dizer que um punhado de soldados, sem um tiro, prendeu mais de 1.700 manifestantes. Foi uma baderna semelhante ao que o PT e MST fizeram na Câmara dos Deputados na Presidência de Michel Temer, com destruição de suas dependências e com punições próprias de uma baderna e não de um golpe. A insistência do STF de que teria sido um golpe fracassado não resiste aos fatos, sendo um dos motivos de desgaste da imagem da Corte perante a opinião pública.

Estadão – Como vê a atuação do Supremo nesse episódio?

Gandra Martins – À evidência, considero exageradas penas de pessoas sem nenhum passado criminal. 17 anos para pais de família e manifestantes que, pela ocasião, se tornaram baderneiros e teriam que ser punidos por isto, indiscutivelmente com penas muito menores. Não sei se o antigo STF teria uma visão semelhante ao do atual STF ao estudar o caso.

Estadão – A Constituição diz que o Supremo é o guardião da Constituição. O sr. concorda que, nesse papel, o Supremo agiu certo ao conter atos antidemocráticos e a violência de golpistas contra a sede dos poderes?

Gandra Martins – Estou de acordo que teria que conter. Os atos não são próprios de uma democracia adulta. Continuo, todavia, convencido, por ter sido durante 33 anos professor da Escola do Comando e Estado Maior para coronéis, entre os quais, no fim do ano, seriam escolhidos os generais de brigada, que nunca houve o menor risco de golpe, algo que dizia desde agosto de 2022. Por isto, considero que teria que punir e, a meu ver, por juízes de 1ª instância, à falta de foro privilegiado, mas por baderna e não por golpe.

Estadão – Muitos advogados reclamam de uma suposta ‘politização’ do STF e argumentam que isso põe em xeque a credibilidade e a imparcialidade da Corte. O que o sr. pensa?

Gandra Martins – Não só muitos advogados, mas parcela ponderável da população, principalmente após julgamentos para privação de liberdade serem em sessões virtuais, onde o advogado faz a sustentação, enviada um dia antes, sem saber se será ou não ouvida por cada ministro em suas salas. Considero que a ‘ampla defesa’, assegurada pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição foi consideravelmente reduzida, numa violação do texto maior. O adjetivo ‘ampla’ da Constituição não poderia ser tornado menos ‘ampla’ ao retirar a sustentação oral perante todos os ministros, e sendo ouvida por todos os brasileiros, se quisessem. O STF reescreveu a Constituição no artigo 5º inciso LV colocando um redutor na dicção constitucional ao tornar a defesa ‘menos ampla’. É a opinião de um velho ex-professor titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, que se sente orgulhoso de ostentar o título de professor emérito da Instituição.


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