Caro ex-presidente Michel Temer,
Certamente o sr. não me conhece e não está entre meus sete leitores. Portanto, apresento-me: meu nome é Paulo Briguet, sou escritor, jornalista e professor de literatura. Tenho 54 anos e vivo na cidade de Londrina, Paraná.
No entanto, por estranho que pareça, há um vínculo entre nós: o sr. morou com meu pai, Paulo Lourenço, na Casa do Estudante, quando ambos cursavam a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, nos anos 60. Durante um tempo, vocês foram companheiros de quarto.
Ali conviveram com figuras como Arno Preis, João Leonardo e Chico Torres (os dois primeiros mortos na ditadura militar; o último, um estudante eterno da faculdade, querido por todos). Com eles, o sr. deve ter cantado a bela, antiga e triste canção dos acadêmicos:
Quando se sente bater
No peito a heroica pancada
Deixa-se a folha dobrada
Enquanto se vai morrer...
Feita essa introdução, peço licença para tratá-lo doravante por você.
Em Araçatuba, no interior de São Paulo, você e meu pai tiveram um breve reencontro no final dos anos 90, quando você era presidente da Câmara dos Deputados.
Embora Paulo — a quem você, nos bons tempos, chamava de Paulinho — tenha ido ao seu encontro esperando uma recepção calorosa, parece que não foi isso que aconteceu. Talvez (meu pai era bastante reservado quanto a esse episódio), você o tenha tratado com um certo distanciamento, para não dizer frieza.
Conheço meu pai e sei que ele jamais lhe pediria favores ou benefícios. Ele só queria conversar sobre os velhos tempos, mas não foi possível, e eu até entendo. Coisas da vida, coisas do poder.
Quando você assumiu o cargo de presidente, após o impeachment da Dilma, confesso que minhas esperanças sobre a sua pessoa se reacenderam. De fato, o seu governo teve boas realizações no campo econômico, promoveu a reforma trabalhista, iniciou uma recuperação na segurança pública, estancou a sangria nas estatais, reduziu ministérios, conteve gastos — enfim, trouxe boas coisas para o país.
Mas quando Teori Zavascki morreu naquele acidente até hoje não explicado — isso após ter se tornado um grande incômodo para o movimento comunista —, eu tinha a firme expectativa de que você indicaria um bom nome para a sua vaga no Supremo Tribunal Federal.
Aí você indicou o Alexandre de Moraes.
Naquele fatídico dia, eu escrevi no jornal: o governo Temer acabou. De fato, dias depois você foi pego conversando com o Joesley Batista na garagem do Jaburu, e o país foi conduzido no piloto automático até a histórica eleição de Jair Bolsonaro.
Você declarou recentemente:
— O Brasil deve muito a Alexandre de Moraes, porque não há dúvida de que ele teve uma grande coragem jurídica.
O mais surpreendente nessa frase é que ela é verdadeira. Sim, o Brasil deve muito a Alexandre de Moraes. Deve a ele a morte do Estado direito, o fim da liberdade de expressão, o império da censura, a eleição inauditável de um condenado para a Presidência da República, a instauração de inquéritos ilegais e intermináveis para perseguir dissidentes políticos, o sequestro de milhares de cidadãos inocentes, a pena de morte civil para os inimigos, a substituição da corte constitucional por um tribunal de exceção, a maior farsa jurídica de toda a história nacional e a condenação prévia da liderança popular mais importante do país por um crime impossível e inexistente.
Realmente, Temer: foi necessária uma grande dose de coragem jurídica para transformar o Supremo Tribunal Federal em um Comitê de Perdição Pública que faria inveja a Stálin e Robespierre
E agora, diante do novo escândalo do PT, que deve ser o maior da história, o seu escolhido será o garantidor da permanência dos ladrões no poder. Com Bolsonaro na prisão e a direita criminalizada, teremos no Brasil a continuidade da cleptocracia tão brilhantemente descrita pelo Padre Antônio Vieira em 1655:
“Começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos, é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo imperativo, porque, como têm o misto e mero império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam; e para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos. Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem; e gabando as coisas desejadas aos donos delas por cortesia, sem vontade as fazem suas. Furtam pelo modo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o daqueles que manejam muito; e basta só que ajuntem a sua graça, para serem, quando menos, meeiros na ganância. Furtam pelo modo permissivo, porque permitem que outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo infinito, porque não tem fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes, em que se vão continuando os furtos. Estes mesmos modos conjugam por todas as pessoas; porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados e as terceiras quantas para isso têm indústria e consciência. Furtam juntamente por todos os tempos (...) furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse”.
Responda sinceramente, Temer: quando o avião de Teori Zavascki caiu, você imaginou que um dia a escolha de seu substituto asseguraria a perpetuidade dessa rapina?
Cordialmente,
O filho do Paulinho.