Semanas atrás, o Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ter pedido, durante sua visita à China, “ajuda” ao comunista Xi Jinping para “discutir a questão digital” no Brasil. A primeira-dama, Janja da Silva, encantada com o modelo chinês de censura nas redes sociais, teria sido quem tocou no assunto, ao reclamar diretamente a Xi Jinping que o algoritmo da plataforma chinesa TikTok estaria favorecendo publicações da direita. Dias depois, em entrevista à Folha de S. Paulo, Janja defendeu o modelo chinês de controle estatal da comunicação, considerado um dos mais rigorosos do mundo em termos de censura.
Por enquanto, ao menos oficialmente, não há notícias de que algum especialista chinês tenha vindo ao Brasil para ajudar Lula e Janja a replicar o modelo de censura do Partido Comunista da China. No entanto, a ausência de um enviado de Xi Jinping não tem impedido a escalada de iniciativas para acelerar o controle sobre as redes sociais e a liberdade de expressão no país. A articulação para institucionalizar a censura como política de Estado nunca esteve tão próxima de atingir seus intentos.
Tantos movimentos em torno de um único tema – e de um único posicionamento, o do controle do Estado sobre o que pode ou não ser dito nas redes sociais – não são casuais. Eles indicam uma trágica articulação em favor de mais censura no país, ainda que poucos pareçam perceber o perigo que se avizinha
Fazendo jus ao apelido de polícia política do governo federal, a Advocacia-Geral da União (AGU) tem sido um dos órgãos mais atuantes nesse sentido. Em 2023, lembremos, a AGU criou a chamada Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), usada para processar críticos do governo e seus aliados. Até agora, foram 35 denúncias de “desinformação” do governo – da Presidência da República, de ministérios, secretarias e parlamentares que apoiam Lula foram transformadas em processos pela PNDD. Por outro lado, todas as 25 denúncias de desinformação apresentadas por adversários do governo foram arquivadas.
Agora, a mais recente investida da AGU é a pressão para que o STF adote imediatamente medidas contra as redes sociais. Em requerimento enviado à Corte nesta semana, o órgão alega haver omissão “em evitar a divulgação de conteúdo ilícito em suas plataformas digitais”. O pedido da AGU, em tutela de urgência, propõe que redes sociais que impulsionem, moderem ou recomendem conteúdo ilícito sejam responsabilizadas independentemente de notificação judicial. A justificativa seria impedir episódios de desinformação – e já discutimos, em outras ocasiões, o risco dessa palavra, que pode ser usada para abranger absolutamente qualquer coisa que o governo entenda como tal, incluindo críticas e questionamentos legítimos –, além de casos de violência digital e danos provocados pela suposta omissão das plataformas.
Em outras frentes, o Executivo discute a elaboração de um projeto de lei que concentra na ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) poderes de fiscalização e remoção de conteúdos na internet. A proposta foi debatida na semana passada em reunião com diversas pastas do governo, como Justiça, Secretaria de Comunicação Social e Casa Civil. O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) também se movimentou, lançando, na última terça-feira (27), uma consulta pública sobre princípios para a regulação de plataformas de redes sociais, que ficará aberta até o dia 17 de junho.
No Judiciário, o STF já sinalizou que deve retomar em breve o julgamento do Tema 987, que discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet – dispositivo que protege plataformas digitais de responsabilização prévia por conteúdos de terceiros. Até agora, dois ministros votaram pela remoção imediata de conteúdos sem necessidade de ordem judicial, e um terceiro defendeu uma flexibilização parcial da norma. Em todos os casos, avança-se perigosamente para a imposição de um “dever de cuidado” que, na prática, obrigaria plataformas a agir como censores preventivos.
Tantos movimentos em torno de um único tema – e de um único posicionamento, o do controle do Estado sobre o que pode ou não ser dito nas redes sociais – não são casuais. Eles indicam uma trágica articulação em favor de mais censura no país, ainda que poucos pareçam perceber o perigo que se avizinha. Nunca foi segredo a pretensão do governo Lula de controlar o que é dito nas redes sociais – a tal regulamentação das redes – e, a julgar pelas manifestações recentes de ministros do STF, o prognóstico para o futuro da liberdade de expressão no Brasil não é nada animador. A ameaça de que a censura se instaure como política de Estado, e ainda com o apoio do Judiciário, nunca foi tão real.
O risco, como já dissemos, caso o artigo 19 do Marco Civil da Internet seja considerado inconstitucional, como deseja o governo, é que as plataformas, para evitar qualquer problema judicial, se encarreguem de apagar absolutamente tudo o que tiver a mínima possibilidade de ser entendido como ilícito. Críticas a políticos, a governos e a instituições; a difusão de fatos inequivocamente verdadeiros, mas que desagradem ao poderoso de turno; a crítica a comportamentos – tudo isso e muito mais corre o risco de desaparecer das mídias sociais, esvaziando o debate público e transformando-o em mero concurso de quem mais concorda com aqueles que fazem as regras. Nas eleições – incluindo as presidenciais de 2026 – arriscamo-nos a ver um cenário ainda mais restritivo do que o de 2022, um marco no cerceamento da liberdade de expressão e de pensamento.
A ameaça da censura prévia institucionalizada se torna cada vez mais real, mas, ainda assim, a sociedade parece assistir, anestesiada e calada, aos avanços dos censores. Mesmo os veículos de imprensa e outros formadores de opinião, em tese comprometidos com a liberdade de expressão, parecem estar adormecidos – ou profundamente cegos, quando não coniventes diante do avanço da censura. Como uma ameaça tão grave a um direito fundamental como a liberdade de expressão, base da própria democracia, pode passar tão despercebida? Será que ainda veremos no STF algum ministro tão comprometido com a liberdade de expressão e tão eloquente a ponto de demover seus pares de hábitos antidemocráticos cada vez mais arraigados? Ou então movimentações corajosas no Congresso e na sociedade civil contra esse verdadeiro ataque à democracia, que, só existe onde há liberdade de expressão? Aceitar tacitamente a consolidação da censura, ainda que sob boas intenções, não pode ser uma opção.