Diante da brutal arbitrariedade de regimes autoritários e da flagrante violação de direitos humanos perpetradas por agentes do Estado contra opositores políticos e a população em geral, a inação não é uma opção neutra; é uma cumplicidade silenciosa que permite a perpetuação da opressão.
As pressões e sanções internacionais não são meros gestos diplomáticos, mas sim ferramentas cirúrgicas, forjadas na urgência moral e na necessidade estratégica, capazes de desmantelar os pilares da tirania e pavimentar o caminho para a liberdade.
A história, em suas páginas mais sombrias e mais luminosas, atesta: a voz da consciência global, quando unificada e contundente, pode ser o martelo que estilhaça as cadeias da autocracia.
O Legado das Transições Democráticas
A crença na eficácia da pressão internacional não é uma quimera, mas uma convicção forjada em triunfos concretos. O apartheid sul-africano é o exemplo mais eloquente, um farol a guiar as nações.
Não foram flores ou palavras amenas que derrubaram o regime racista de Pretória, mas um cerco implacável de sanções econômicas, embargos de armas, ostracismo cultural e desportivo, e uma campanha diplomática incessante que o deslegitimou perante o mundo.
O isolamento financeiro sufocou, a condenação moral desonrou, e o acesso a tecnologias e mercados vitais foi negado. Essa pressão externa, somada à heroica resistência interna, criou um ponto de inflexão irreversível, culminando na libertação de Nelson Mandela e na primeira eleição democrática e multirracial do país.
Este não foi um acaso, mas a demonstração do poder de uma comunidade global que se recusou a aceitar a barbárie.
Da mesma forma, a combinação de ausência de suporte externo para autocratas em crise e pressões internacionais, como evidenciado na Romênia de Nicolae Ceaușescu, é fatal.
Ceaușescu, com seu regime sanguinário e isolacionista, caiu não por uma invasão externa, mas por uma implosão interna catalisada pela miséria absoluta imposta por sua tirania, pela ausência de qualquer mão amiga externa disposta a socorrê-lo e pelas sanções externas que isolaram o país.
Seu destino trágico serve de lembrete: a mais brutal das ditaduras não pode resistir à fome e à indignação de seu próprio povo, quando desprovida de oxigênio econômico e moral vindo do exterior.
A Estrangulação da Autocracia
A pressão internacional atua como um veneno lento, mas potente, que se infiltra nas veias da autocracia, paralisando seus órgãos vitais:
* Asfixia Econômica: Sanções financeiras, congelamento de ativos de elites corruptas, restrições ao comércio e proibições de empréstimos internacionais drenam os recursos que regimes autoritários usam para financiar sua repressão, recompensar seus leais e manter seu aparato de poder. Quando as contas bancárias secam e os cofres do Estado se esvaziam, o ditador perde sua capacidade de subornar e de intimidar, e a lealdade de seus apoiadores mais venais começa a vacilar.
* Isolamento Diplomático e Deslegitimação: Um regime condenado por quase todas as nações, excluído de fóruns internacionais, com seus líderes impedidos de viajar e seus embaixadores tratados como párias, perde sua aura de poder e sua pretensão de soberania. Esse isolamento erode a moral interna e a capacidade de negociar com o mundo exterior, tornando a tirania uma ilha, com seus habitantes cada vez mais inquietos.
* Vozes Amplificadas: A condenação internacional confere legitimidade e um megafone à oposição interna, que muitas vezes arrisca a vida para denunciar abusos. O naming and shaming de violadores de direitos humanos no cenário global empodera os dissidentes e os protege, em certa medida, da repressão total, ao mesmo tempo em que expõe a hipocrisia e a brutalidade do regime.
O caso de Saddam Hussein no Iraque é instrutivo. As sanções impostas após a invasão do Kuwait não o derrubaram imediatamente, mas o enclausuraram em um isolamento econômico e diplomático que durou mais de uma década. Elas drenaram os recursos de seu regime, impediram a reconstrução de suas forças militares e o mantiveram sob um microscópio internacional.
Embora a derrubada final tenha vindo de uma intervenção militar, as sanções haviam enfraquecido o regime a tal ponto que ele se tornou um alvo vulnerável, incapaz de resistir a uma coalizão determinada. As sanções não são sempre a bala de prata, mas são, muitas vezes, o cerco que precede o colapso. Essa mesma lógica, a rigor, se aplica à queda do ditador Bashar el-Assad, na Síria
Além desses casos clássicos, a história demonstra repetidamente a força da pressão internacional: no Chile, o isolamento moral e político advindo de sanções externas contribuiu para o plebiscito que depôs o regime sanguinário de Pinochet; em Myanmar, sanções prolongadas forçaram a junta militar a uma abertura política, ainda que intermitente; na Rodésia, as sanções internacionais e a guerra interna desmantelaram o regime minoritário racista; e na Líbia, as sanções pós-Lockerbie levaram Gaddafi a abandonar programas de armas de destruição em massa e anteciparam sua queda, evidenciando que a pressão global é uma ferramenta multifacetada capaz de influenciar regimes autoritários para a mudança.
A Batalha de Vontades
Regimes autoritários são mestres na arte da sobrevivência, empregando táticas previsíveis para resistir à pressão: o grito nacionalista que culpa o “inimigo externo” pelas mazelas, a intensificação da repressão interna para esmagar a dissidência, a distribuição de benesses para as elites e os apoiadores de plantão, incluindo a mídia chapa-branca, e a busca desesperada por novos aliados que quebrem as sanções.
Nesse sentido, a disposição de alguns estados em cinicamente proteger líderes autoritários e a ação das oligarquias domésticas beneficiadas pelo regime podem enfraquecem o propósito das pressões externas, as quais devem focar em:
* Sanções Cirúrgicas: Em vez de embargos amplos que penalizam a população, focar em sanções “inteligentes” que visam diretamente a elite governante, seus familiares, seus bancos e seus negócios. O regime sente a dor, a população sofre menos.
* Fechamento de Brechas: Monitorar e punir rigorosamente quem ajuda o regime a evadir sanções, garantindo que a rede de pressão não tenha poros.
* Apoio Ostensivo à Oposição: Oferecer apoio financeiro, moral e logístico a movimentos democráticos e à sociedade civil, garantindo que o ditador não consiga suprimir todas as vozes de dissidência.
* Coerência Diplomática: Manter uma mensagem unificada e firme, sem concessões que possam ser interpretadas como fraqueza ou divisão.
O Dilema Ético
Reconhecer o potencial impacto humanitário das sanções é um imperativo ético. Ninguém deseja que populações inocentes sofram. Contudo, o sofrimento imposto por um regime autoritário é muitas vezes mais profundo, mais sistêmico e mais prolongado do que qualquer efeito colateral das sanções.
A escolha não é entre sofrimento e não-sofrimento, mas entre um sofrimento inócuo, sem propósito ou fim, e um sofrimento gerenciado, com um objetivo maior: a libertação. O objetivo final é a liberdade, e, por vezes, a liberdade exige sacrifícios. A verdadeira crueldade é a indiferença que permite que o sofrimento sob a tirania se prolongue indefinidamente.
O Brasil e a Necessidade do Escrutínio Global
O clamor por escrutínio e sanções internacionais por parte de atores políticos brasileiros, diante de medidas autoritárias e perseguição política promovidas pelo Supremo Tribunal Federal contra opositores e chanceladas pelo Planalto não é um mero apelo desesperado, mas a válida e fundamental expressão de um princípio universal.
Quando os mecanismos internos de controle e equilíbrio de uma nação, que deveriam ser os guardiões da democracia e dos direitos humanos, são percebidos como comprometidos ou insuficientes, o recurso à comunidade internacional não é uma intervenção estrangeira indesejada, mas a busca por um respaldo moral e prático nos valores que transcendem fronteiras.
A validade dessas demandas reside na premissa de que a soberania não é um escudo absoluto para a violação dos direitos humanos. A soberania pertence ao povo, não aos detentores do poder. O Brasil é signatário de tratados internacionais que o comprometem com a democracia, o estado de direito e a proteção dos direitos fundamentais.
Se há uma percepção de que esses compromissos estão sendo negligenciados ou violados, a busca por atenção e pressão externa é uma ação legítima e necessária para reafirmar a universalidade desses valores.
Não se trata de uma ingerência arbitrária, mas de um lembrete de que nenhuma nação, por mais soberana que seja, pode se desviar impunemente das normas civilizatórias que governam as relações entre povos. A pressão internacional, nesse contexto, torna-se a última trincheira, a voz da solidariedade global que insiste: a liberdade e a justiça são indivisíveis, e sua defesa é uma responsabilidade compartilhada.
A Luz Contra a Escuridão
É dentro dessa moldura estratégica e principiológica que devem ser entendidas as corajosas iniciativas levadas a cabo pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL/SP), de denunciar a governos estrangeiros e organizações internacionais as flagrantes violações de direitos humanos perpetradas pelo consórcio STF/Planalto, que atropelam o ordenamento jurídico nacional, partindo-se da premissa básica que nenhuma mudança ocorrerá no status quo doméstico sem a necessária ação externa.
As pressões e sanções internacionais são um farol em tempos de escuridão, uma ferramenta robusta e, quando bem aplicada, extremamente eficaz para desmantelar regimes autoritários e promover mudanças democráticas. Não são soluções mágicas, mas o resultado de uma persistente e coordenada demonstração da capacidade de ação política externa.
A história nos ensina que a tirania raramente cede voluntariamente. É o peso do isolamento, a asfixia econômica e a pressão incessante da consciência mundial que, combinadas com a coragem dos que lutam internamente, podem finalmente quebrar o jugo da opressão. Em um mundo onde a democracia e os direitos humanos estão sob constante ameaça, a pressão internacional é mais do que uma opção; é um imperativo moral e estratégico, uma ferramenta indispensável na luta por um futuro mais justo e livre.
* Marcos Degaut é Doutor em Segurança Internacional, Pesquisador Sênior na University of Central Florida (EUA), ex-Secretário Especial Adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e Ex-Secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa.