Anistia virou “dosimetria”: o STF venceu

Por Deltan Dellagnol

    20/09/2025 11h32 - Atualizado há 6 dias

    O Brasil é mesmo o país das coincidências. Coincidências tão convenientes que deixam qualquer cidadão honesto de cabelo em pé. O que se anunciava como um projeto de anistia ampla, geral e irrestrita para os presos políticos do 8 de janeiro virou, em menos de 24 horas, um projeto de “dosimetria das penas”. Traduzindo: não se fala mais em libertar inocentes condenados sem provas, mas em reduzir suas penas, como se o problema fosse apenas a quantidade de anos atrás das grades, e não a injustiça em si.

    E quem decidiu isso? Não foram os representantes do povo, mas as mesmas figuras que encarnam o retrato do velho Brasil: Michel Temer, Aécio Neves e Paulinho da Força. Sim, eles. Os que aparecem sorridentes na foto publicada pela Folha de S. Paulo, em reunião na casa de Temer, quando o destino da anistia foi selado. E quem estava, ainda que de forma remota, participando do espetáculo? O presidente da Câmara. E quem foram “consultados” e deram o tom da música? Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que também participaram da farsa via videoconferência.

    Pois é. O Congresso Nacional, que deveria ser um poder soberano, hoje se curva às declarações públicas — e falsas — de ministros do STF. Falsas, sim, porque não há decisão do STF declarando a inconstitucionalidade da anistia. Ainda assim, a inconstitucionalidade da anistia é a nova desculpa do establishment político de Brasília para enterrar a anistia e empurrar a tal “dosimetria”. O que há é a narrativa conveniente de que “não é possível”, usada como muleta para enganar a direita e empurrar goela abaixo a tal “dosimetria”.

    O que significa, afinal, essa dosimetria? Significa discutir se os réus do 8 de janeiro — muitos deles condenados sem provas concretas, em processos conduzidos por um tribunal incompetente — vão pegar 17, 14 ou 8 anos de cadeia. Em outras palavras: trata-se de reduzir penas injustas, aplicadas em processos nulos de pleno direito. É como se, diante de uma condenação arbitrária, o governo dissesse: “Não vamos corrigir a injustiça, apenas torná-la um pouco mais palatável”. Isso não é justiça. É cinismo travestido de solução. É a legitimação da arbitrariedade.

    E aqui entram as tais coincidências brasileiras. Paulinho da Força declarou em vídeo, na última quinta-feira, que é amigo próximo de Alexandre de Moraes desde os tempos de advocacia em São Paulo. Pois bem: foi justamente Moraes quem, em 2022, livrou Paulinho de uma condenação de 10 anos de prisão por desvios do BNDES. Coincidência?

    Outro exemplo: o mesmo STF livrou Michel Temer de processos da Lava Jato, tirou casos do Rio de Janeiro e os mandou para Brasília. Quem assinou essa mudança? Alexandre de Moraes, nomeado ministro por… Temer.

    A inconstitucionalidade da anistia é a nova desculpa do establishment político de Brasília para enterrar a anistia e empurrar a tal “dosimetria”

    E Aécio Neves? O STF mandou arquivar inquérito contra ele. E quem assinou a decisão? Gilmar Mendes — o mesmo que trocou nada menos que 43 ligações com Aécio em apenas dois meses, na época da Lava Jato. A justificativa? Excesso de prazo da investigação. O detalhe é que ela demorou menos do que os inquéritos usados por Moraes para punir a direita.

    Repare, leitor: são justamente esses personagens, com suas relações íntimas e benesses recebidas, que agora se apresentam como os grandes articuladores da “solução” para os perseguidos políticos. Como se fossem escolhidos a dedo para blindar a si mesmos e legitimar a narrativa do Supremo.

    O que estamos testemunhando é um escândalo em câmera lenta. Deputados e ex-presidentes se colocam como porta-vozes de ministros do STF, enquanto a população vê seus representantes abrirem mão da soberania do Congresso. A anistia ampla, geral e irrestrita virou tabu.

    A prioridade foi dada à “PEC da Blindagem”, que protege políticos corruptos, e não à justiça para cidadãos comuns. Não dá para dizer que Temer, Aécio e Paulinho não estão buscando proteção contra punições… estão sim, mas proteção para eles mesmos, não para os injustiçados pelo STF.

    No fim, resta a pergunta: o STF venceu?

    Se vencer significa subjugar a independência do Legislativo, transformar condenações arbitrárias em penas “ajustadas” e impor uma narrativa conveniente para blindar os poderosos, então sim, venceu. Mas não venceu a justiça, não venceu a democracia, não venceu o povo.

    E aqui está a ironia cruel: enquanto inocentes seguem presos, os arquitetos dessa farsa aparecem sorrindo em fotos e gravando vídeos para celebrar a própria esperteza. O brasileiro comum, que acredita no Estado de Direito, não tem o que comemorar. Tem apenas mais um motivo para se indignar.


    Notícias Relacionadas »
    Comentários »
    Comentar

    *Ao utilizar o sistema de comentários você está de acordo com a POLÍTICA DE PRIVACIDADE do site https://bnbrasil.com.br/.
    BN Brasil Publicidade 1200x90
    Fale pelo Whatsapp
    Atendimento
    Precisa de ajuda? fale conosco pelo Whatsapp