Sem qualquer surpresa, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus, por unanimidade, o ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Filipe Martins, e outros cinco envolvidos na suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), Martins teria apresentado e sustentado perante Bolsonaro uma minuta que decretaria estado de sítio no país, como forma de dar aparência de legalidade ao alegado golpe.
Embora o resultado fosse esperado — uma vez que a Primeira Turma já havia aceitado, em março, denúncia contra Bolsonaro e outros aliados, entre eles quatro oficiais-generais das Forças Armadas —, os abusos cometidos antes e durante a sessão chamaram atenção e representaram mais um marco nos excessos do Supremo nos processos relacionados aos eventos de 8 de janeiro.
Diversas medidas determinadas pelos ministros atropelaram garantias constitucionais e normas básicas do Código de Processo Penal — instrumentos que deveriam ser o fio condutor de qualquer julgamento, sobretudo um de tamanha gravidade. Antes mesmo da audiência, Filipe Martins — que já havia permanecido seis meses preso sem justificativa plausível — foi proibido, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, de aparecer em qualquer imagem pública durante seu deslocamento ou participação na sessão, mesmo que a gravação fosse feita por terceiros. O descumprimento dessa ordem poderia acarretar nova prisão.
Não há, e jamais houve, base legal para tal medida. A Constituição é clara ao permitir a restrição da publicidade dos atos processuais apenas em casos de proteção da intimidade ou do interesse social, o que manifestamente não se aplicava ao caso. Tampouco o Código de Processo Penal prevê medida cautelar que impeça uma pessoa de ser filmada por terceiros. A arbitrariedade é gritante: prender alguém por ter sido filmado sem seu conhecimento é um atentado óbvio ao Estado de Direito. Ainda assim, foi exatamente esse o cenário criado. Em abril, Moraes já havia aplicado uma multa de R$ 20 mil a Filipe Martins pelo simples fato de ter aparecido em um vídeo publicado no Instagram por seu advogado, Sebastião Coelho — mesmo que a decisão judicial proibisse apenas o uso pessoal de redes sociais pelo réu, e não sua mera aparição em postagens alheias.
As restrições impostas à liberdade de locomoção de Martins durante sua estadia em Brasília foram mais uma afronta à legalidade. Embora tenha autorizado sua presença na sessão do STF, Moraes limitou seus deslocamentos ao trajeto entre o aeroporto, o hotel e o prédio do Supremo, e ainda o proibiu de "exercer qualquer atividade política" durante a viagem. Nenhuma dessas determinações encontra respaldo jurídico.
A própria sessão foi marcada por medidas sem precedentes, como a apreensão e lacração dos celulares de todos os presentes — advogados, jornalistas e participantes em geral. Os aparelhos foram recolhidos e selados em envelopes, sob o pretexto de impedir registros de imagens, já que a exposição de Filipe Martins havia sido proibida. A medida não apenas configurou cerceamento ao trabalho da imprensa, como prejudicou a atuação da defesa e carecia de qualquer previsão legal. A própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que acompanhou a sessão como observadora, reconheceu a gravidade da violação.
O andamento da audiência também seguiu um padrão alarmante de afronta ao devido processo legal. Tal como ocorrera na sessão que tornou Jair Bolsonaro réu, Moraes exibiu imagens que sequer constavam nos autos — como cenas de ônibus incendiado, ocorridas em circunstâncias e datas distintas dos fatos julgados. Outro ponto crítico foi a negativa de acesso da defesa de Martins a dados de geolocalização que poderiam comprovar sua ausência em reuniões apontadas na denúncia. Embora os dados estivessem em poder da Polícia Federal, obtidos por quebra de sigilo, não foram disponibilizados à defesa.
Como se não bastasse, Alexandre de Moraes usou sua fala durante a sessão para, mais uma vez, adotar uma postura política: manifestou-se abertamente contra qualquer anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, classificando o episódio como “tentativa de quebra do Estado Democrático de Direito” e comparando-o à ação de um “grupo armado organizado” — conduta que fere a imparcialidade exigida de um magistrado.
Em qualquer democracia, julgamentos — dos mais simples aos mais complexos — devem ser conduzidos sob o mais estrito respeito ao devido processo legal. O cumprimento rigoroso dessas garantias é a única salvaguarda de um julgamento justo e legítimo. Quando o rigor é abandonado em nome de expedientes arbitrários, mesmo sob a alegação de boas intenções, não são apenas os réus que são injustiçados: é a própria Justiça que é mortalmente ferida. Infelizmente, o STF parece determinado a trilhar esse caminho.