Troque o significado das palavras. Diga que cama quer dizer mesa, e que copo significa prato. Faça uma salada mista com o vocabulário, a sintaxe e a morfologia. Chame as coisas pelos nomes que você quer dar a elas, e não pelos nomes que elas têm. Chame censura de regulamentação. Desorganize a linguagem e subverta o dicionário. Utilize o que você diz para esconder o que você pensa. Mais do que tudo, nunca diga a verdade sobre nada; ao contrário, use as sílabas, vocábulos e frases para modificar a realidade. Se você fizer tudo isso, e fizer sempre, já estará com meio caminho andado para fazer sucesso na carreira de falsário político profissional.
A vida pública no Brasil de hoje é um paraíso para a contrafação de fatos. A mentira é o pão de cada dia dos praticantes desta arte desde que o ser humano descobriu a política, mas o fato é que vivemos no momento dentro de um bioma de neurastenia exacerbada na prática da empulhação. Não se descobriu até hoje, como se sabe, a trapaça bem-intencionada, e essa evidência está perfeitamente de pé nesta “quadra”, como se dizia antigamente, da nossa democracia recivilizada.
Lula, o Supremo, a esquerda, os banqueiros socialistas, a mídia e as classes culturais estão com vergonha de dizer que querem socar no Brasil uma censura pior que a dos militares
Em matéria de empulhação, há todo um riquíssimo leque de ofertas: do “golpe armado” dos estilingues ao “arcabouço fiscal” do ministro Haddad, da roubalheira do INSS à “colheita de resultados” de Lula. Neste preciso instante, porém, é difícil competir em matéria de falsificação de fatos, pura e simples, com a “regulamentação das redes sociais”. É a depravação da linguagem, no sentido mencionado no início do texto, num dos seus mais belos momentos.
É mostrar uma banana ao público e dizer que é uma laranja lima. Chamam de “regulamentação das redes”, mas é censura direto na veia – na verdade, a censura mais mesquinha, viciosa e maciça que jamais se tentou em toda a história deste país. É simples. A censura da ditadura militar reprimia apenas os jornalistas; a censura que se pretende reprime dezenas de milhões de brasileiros, que, na prática, ficam proibidos de se manifestar e de se informar pela internet.
O regime Lula-STF diz que quer “levar a lei” ao terreno selvagem da internet, como São Paulo se propunha a levar a palavra de Cristo aos gentios. Estão, isto sim, mudando a linguagem para ocultar as suas ações. Lula e STF não querem “regulamentar” coisa nenhuma, mesmo porque o terreno “em desordem” já está perfeitamente regulamentado, há onze anos, pelo Marco Civil da Internet. O que querem é que a população não leia, ouça ou veja nada daquilo que os incomoda.
O pé-de-cabra para fazerem isso é declarar no STF que o artigo 19 do Marco Civil é “inconstitucional”. O que quer dizer “inconstitucional” no dicionário da língua portuguesa? Quer dizer algo contrário à Constituição. O que diz o artigo 19 do Marco Civil? Que as operadoras serão obrigadas a retirar postagens de suas redes se uma decisão judicial determinar que retirem. Como pode violar o disposto na Constituição uma lei que entrega à Justiça brasileira a incumbência de resolver disputas na internet? Mas eles não querem que a Justiça decida. Querem que as plataformas retirem os conteúdos não porque o juiz mandou, mas porque eles mandaram a plataforma retirar – sob pena de multas e outras desgraças prescritas pela Escola Alexandre de Moraes de Delitos e de Penas.
O nome disso, em português correto, é censura. Mas Lula, o Supremo, a esquerda, os banqueiros socialistas, a mídia e as classes culturais estão com vergonha de dizer que querem socar no Brasil uma censura pior que a dos militares. Querem o modelo chinês de internet – Lula, inclusive, pediu que a China enviasse para cá um especialista “de confiança” capaz de instruir o regime na montagem da sua censura. Prepare-se, então, para ouvir a Rede Globo, mais muita gente boa, ficar falando em “regulamentação” pelo resto da vida.