Nas entranhas corrompidas do vasto organismo chamado Brasil, há muito prosperava uma multidão de parasitas. Lombrigas insaciáveis, tênias solenes, oxiúros irritantes e amebas... ameboides sugavam-lhe lenta e mortalmente as forças. Em seus delírios de febre, porém, o corpo, alheio ao que acontecia em seus intestinos, ainda acreditava que a Constituição era como uma Ivermectina de efeito eterno. Enquanto isso, os parasitas davam início à revolução.
Ninguém lembra direito, porque estavam todos distraídos. Mas parece que foi a velha tênia Gilmar quem primeiro discursou aos vermes todos reunidos. Disse que os inimigos não eram os parasitas entre si, e sim o hospedeiro. Enquanto o Brasil acreditasse na eficácia da democracia, haveria perigo. A missão era clara: assumir o controle do Brasil em nome da soberania corporal.
Democracia verminosa
Lideradas por Luiz Inácio, as lombrigas se multiplicaram e começaram a ocupar todos os órgãos do hospedeiro, abrindo caminho para que as tênias se instalassem nas zonas mais nobres do corpo. Entre os platelmintos supremos, destacou-se o ardiloso Alexandre. Assim nasceu o Judiciário Ativista e Autoritário, fundado sobre artigos pintados nas paredes do estômago: todos os parasitas são iguais, nenhum deve cooperar com o hospedeiro, todos devem lutar pela democracia. Isto é, pela versão verminosa da democracia.
Logo surgiu a disputa. As lombrigas sonhavam com a construção da União das Repúblicas Socialistas do Brasil, uma máquina estatal que prometia fartura. Alexandre, à primeira vista, se fez de aliado. Missão dada é missão cumprida, coisa e tal. Assim que percebeu a oportunidade, porém, ele soltou seu exército de oxiúros contra os rivais e, sorrateiramente, assumiu o comando absoluto do Brasil. A vitória foi celebrada como defesa inflexível da democracia, embora o Brasil, já cambaleante, não visse diferença alguma.
Constipação, digo, Constituição
Com Alexandre à frente, a Revolução mudou de caráter. Gilmar, mais velho, assumiu o papel de legitimador: tudo estaria de acordo com a sua constipação, digo, Constituição intestinal. Para convencer as massas, surgiram as amebas que, 24 horas por dia, reproduziam (por fissão binária) as narrativas de interesse das tênias e das lombrigas. Se o corpo tinha febre, por exemplo, isso era um sinal de vitalidade democrática. Entenda como isso é bom! – diziam as amebas. Se o hospedeiro, coitado, sofria com uma persistente diarreia, isso era prova de que a riqueza do Brasil estava sendo mais bem distribuída. Se o hospedeiro desmaiava de fraqueza, não era para ninguém se desesperar, hein! Água na cara, #elenão e bola para frente.
Aos poucos, a Constituição passou a ser desprezada, quando não substituída pelo Regimento Interno do Intestino ou pela mera vontade das 11 tênias supremas. “Todo poder emana das células e órgãos do hospedeiro”, por exemplo, virou “Todo poder emana das tênias, que têm a missão de recivilizar as células e órgãos do hospedeiro. “É vedada a censura prévia” virou “Perdeu, mané! Não amola”. E assim, pouco a pouco, a nova mentalidade autoritária foi sendo absorvida pelas paredes do intestino, contaminando todo o corpo do hospedeiro.
Obediência e impostos
Enquanto isso, as células e órgãos do Brasil, responsáveis pela respiração, digestão, batidas do coração e até pelas cada vez mais raras sinapses, seguiam trabalhando. Até porque eles não tinham muita escolha, não. Mesmo drenados, exauridos e escravizados pelos parasitas, eles produziam e, de vez em quando, até se reuniam para pedir liberdade, impeachment, essas coisas. Mas a verdade é que a maior parte das células e órgãos estava tomada pelos vermes e pela omissão. O que permitiu aos parasitas prolongarem o banquete, mesmo quando o corpo do hospedeiro já dava sinais de colapso.
A manutenção da União das Repúblicas Socialistas do Brasil exigia cada vez mais. De todos os órgãos e todas as fibras os parasitas exigiam obediência – e impostos. Cada gota de sangue era drenada para manter funcionando a engrenagem da revolução parasitária. As lombrigas exigiam mais espaço em nome da justiça social. Para falar a verdade, os oxiúros estavam é felizes da vida. E as amebas juravam entre si que entrariam para a história como codefensoras da democracia. As tênias? Ah, as tênias não estavam nem aí.
Festa interminável
Enquanto isso o Brasil, só pele e osso, fazia o L. É que disseram a ele que o país tinha saído do mapa da fome. Veja só! O pobre coitado não percebia que já estava tomado pela revolução. Muito menos que a morte era iminente, mas não eminente. Não! Apesar de combalido, o Brasil continuava com seu cotidiano. Comendo e bebendo. Indo para cima e para baixo. Um jeitinho aqui, outro ali. Ele até desfilou no carnaval, acredita? Agora me pergunta por quê. Vai, me pergunta! Não sei porquê. Não tenho a menor ideia.
Até que o Brasil caiu moribundo, enquanto as tênias, as lombrigas, os oxiúros e as amebas brindavam. A revolução chegava ao seu auge. O que significa dizer que era também o início do fim. Num último e esforçado gesto, Brasil pediu que colocassem um espelho diante de si. Ele tentou se reconhecer naquela figura patética, mas não conseguiu. Hospedeiro e parasitas haviam se tornado uma mesma coisa: um corpo arruinado, sustentando, com seus últimos nutrientes, a interminável festa de seus algozes. Tudo em nome da democracia. É claro.