O depoimento do perito Eduardo Tagliaferro ao Senado Federal desnudou aquilo que muitos já suspeitavam: o Brasil estaria vivendo sob um estado de exceção fabricado nos bastidores do Judiciário, com Alexandre de Moraes no papel de inquisidor e Paulo Gonet atuando como cúmplice silencioso.
Segundo Tagliaferro, seu ex-chefe comandava um esquema de perseguição política travestido de combate à desinformação. Relatórios eram produzidos sob medida para atingir adversários do sistema — sempre à direita do espectro político —, enquanto aliados da esquerda eram blindados. A lógica era simples: sufocar opositores, manipular narrativas e consolidar o poder absoluto.
A acusação mais grave recai sobre a suposta parceria entre Moraes e o procurador-geral Paulo Gonet. Tagliaferro relatou que os dois combinavam previamente alvos de investigações, trocavam mensagens diretas e montavam pacotes de denunciados para alimentar processos nos tribunais regionais. Tudo de forma seletiva e com documentos retroativos para “esquentar” operações já realizadas.
Ou seja: a PGR, que deveria limitar abusos, se ajoelhava ao ministro e funcionava como avalista de irregularidades, numa aliança que subverte o princípio constitucional da separação de Poderes.
As denúncias revelam ainda a existência de uma força-tarefa informal, um verdadeiro gabinete paralelo comandado por Moraes, que ditava ordens por WhatsApp e e-mails pessoais. Universidades, ONGs e até militantes de esquerda seriam mobilizados para monitorar cidadãos, jornalistas e políticos ligados a Jair Bolsonaro. Um modelo de espionagem típico de regimes autoritários, jamais de uma democracia.
Outro ponto estarrecedor é a denúncia de que relatórios assinados por Tagliaferro, sem qualquer valor jurídico formal, eram usados como critério para manter ou soltar presos do 8 de janeiro. Um simulacro de Justiça, onde a preferência política e até a cor da roupa eram levadas em consideração para determinar o destino de cidadãos brasileiros.
Talvez a denúncia mais simbólica do abuso: a operação contra empresários em 2022 teria sido montada apenas com base em uma reportagem jornalística, e a fundamentação jurídica foi fabricada depois, com data retroativa, para mascarar a ilegalidade. Trata-se de uma fraude processual típica, que deveria por si só invalidar todo o procedimento e levar seus responsáveis a responder criminalmente.
Enquanto Moraes se arvora em xerife da República, decidindo quem pode ou não falar, se manifestar ou até mesmo disputar eleições, Gonet se limita a endossar cada movimento, legitimando arbitrariedades em nome da “defesa da democracia”. O resultado é a destruição da confiança nas instituições e a instalação de um regime de medo, perseguição e manipulação jurídica.
As denúncias de Tagliaferro — respaldadas por documentos e perícias — não podem ser ignoradas. Se confirmadas, expõem um Judiciário que já não julga, mas age como parte interessada, num conluio de poder que afronta a Constituição e os direitos fundamentais. Moraes e Gonet transformaram a Justiça em instrumento político, e isso coloca em risco a própria democracia que dizem proteger.