Do hacker de Marcela Temer à prisão de Bolsonaro: como Moraes virou a autoridade suprema do Brasil

Por Omar Godoy

    17/08/2025 09h46 - Atualizado há 8 horas

    Quem imaginaria, em meados de 2016, que o então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, um dia seria chamado por muitos de “o homem mais poderoso do Brasil”? 

    Naquele ano, ele ganhou projeção nacional ao apurar o caso do hacker que invadiu o celular e chantageou a primeira-dama do país, Marcela Temer. Moraes se dedicou, pessoalmente e com afinco, às investigações — mas, até então, tudo indicava que se tratava apenas de mais um gestor querendo mostrar serviço. 

    Quase uma década depois, Alexandre de Moraes, agora ministro do Supremo Tribunal Federal, decretaria a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. E o mais impressionante: estaria no centro de uma inédita crise diplomática entre o Brasil e os EUA, acusado de violar a liberdade de expressão e os direitos humanos. 

    A linha do tempo a seguir reconstrói os principais acontecimentos políticos que ligam esses dois marcos da história recente brasileira — um enredo tenso, pontuado por decisões judiciais, crises institucionais e até uma pandemia mundial. Do hacker de Marcela Temer à prisão de Bolsonaro, passaram-se 3.372 dias. Acompanhe como chegamos até aqui. 

    11 de maio de 2016 

    A Polícia Civil de São Paulo prende Silvonei José de Jesus Souza, hacker que invadiu o celular da primeira-dama Marcela Temer e exigiu R$ 15 mil para não divulgar o conteúdo do aparelho. Um mês antes, assim que soube do ataque virtual, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo determinou a abertura de um inquérito para apurar o caso. Ele escolheu a dedo a equipe a cargo da investigação, comandada pelo delegado Rodolpho Chiarelli. O secretário era Alexandre de Moraes.

    12 de maio de 2016 

    O Senado Federal afasta Dilma Rousseff da Presidência. Michel Temer assume o Executivo e, no mesmo dia, nomeia Alexandre de Moraes para o Ministério da Justiça.

    19 de janeiro de 2017 

    O ministro Teori Zavascki, relator dos casos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, morre em um acidente de avião em Paraty (RJ). Ele tinha 68 anos e, se não fosse a tragédia, permaneceria no cargo até agosto de 2023. Sua morte, além de abrir uma vaga no STF, representa um momento crucial para os rumos da operação — considerando seu perfil técnico e equilibrado, que muitas vezes dava o tom em discussões importantes da corte.

    6 de fevereiro de 2017 

    O presidente Michel Temer indica o seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para ocupar a vaga de Teori Zavascki no STF. A escolha de Temer causa controvérsia devido ao passado político de Moraes (filiado ao PSDB, partido aliado do governo) e por se tratar de uma figura em exercício de cargo no Executivo. Críticos questionam sua possível falta de imparcialidade. 

    22 de fevereiro de 2017 

    Por 55 votos a 13, o Senado aprova o nome de Alexandre de Moraes para o STF. O voto é secreto, mas as críticas públicas a Moraes vêm da esquerda, capitaneadas pelos senadores do PT. O novo ministro da corte assume relatorias centrais nos embates políticos do país (incluindo casos importantes da Lava Jato anteriormente sob a responsabilidade de Teori Zavascki).

    7 de abril de 2018 

    O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se entrega à Polícia Federal e é preso em Curitiba para cumprir pena de 12 anos e um mês por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Antes da prisão, decretada pelo juiz Sergio Moro, Lula recebe aliados no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde militantes realizam uma vigília em seu apoio. 

    11 de setembro de 2018 

    O PT, que até então mantinha o prisioneiro Lula como seu candidato à Presidência, anuncia que Fernando Haddad substituirá o ex-presidente nas urnas. A candidatura de Lula havia sido barrada pela Justiça Eleitoral. 

    28 de outubro de 2018 

    Jair Bolsonaro derrota Fernando Haddad e é eleito presidente da República.

    14 de abril de 2019 

    O presidente do STF, Dias Toffoli, instaura o Inquérito 4781, para investigar notícias fraudulentas, ameaças e ataques contra a corte e seus membros. Sem sorteio, Alexandre de Moraes é designado relator da apuração, chamada pela imprensa de Inquérito das Fake News.

    15 de abril de 2019 

    Alexandre de Moraes determina que a revista Crusoé e o site O Antagonista retirem do ar uma reportagem que revela um e-mail de Marcelo Odebrecht no qual o empreiteiro identifica o ministro Dias Toffoli como “amigo do amigo de meu pai”. A decisão, tomada a pedido do próprio Toffoli no âmbito do Inquérito das Fake News, marca o início dos conflitos entre o tribunal e veículos de comunicação críticos à atuação da corte.

    7 de novembro de 2019  

    Por 6 votos a 5, o STF derruba a prisão após condenação em segunda instância e abre caminho para a libertação de Lula. A decisão reverte um entendimento anterior da corte e permite a soltura de dezenas de presos. A mudança no resultado — que motiva intensos debates sobre segurança jurídica e combate à corrupção — deve-se a Gilmar Mendes, que diz ter mudado de opinião acerca do tema.

    8 de novembro de 2019 

    No dia seguinte à decisão do STF, o ex-presidente Lula é solto após 580 dias de prisão em Curitiba. A libertação divide opiniões, intensificando a polarização política em curso no país — e dá sobrevida à esquerda brasileira, até então desfalcada de um líder. 

    15 de abril de 2020 

    Em meio à pandemia da Covid-19, o STF decide, por unanimidade, que estados e municípios têm competência para adotar medidas de restrição de locomoção, como isolamento social e fechamento do comércio. A determinação esvazia os poderes do governo federal e é vista como uma forma de frear as ações do presidente Jair Bolsonaro na condução da crise sanitária.

    17 de fevereiro de 2021  

    O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) é preso por ordem de Alexandre de Moraes após publicar um vídeo que, na interpretação da corte, continha ameaças aos ministros do STF. Pouco antes de ser levado pelos policiais, o parlamentar posta uma mensagem otimista em suas redes: “Aos esquerdistas que estão comemorando, relaxem, tenho imunidade material. Só vou dormir fora de casa e provar para o Brasil quem são os ministros dessa Suprema Corte”. A prisão seria ratificada pelo plenário da Câmara dos Deputados (por 364 votos a favor e 130 contra), mas estimula um debate sobre os limites da liberdade de expressão de parlamentares e o poder do Supremo. 

    14 de abril de 2021 

    O STF, por 8 votos a 3, confirma a decisão do ministro Edson Fachin anulando as condenações do ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba. A determinação reconhece a suspeição do ex-juiz Sergio Moro para julgar os casos envolvendo o petista e estabelece São Paulo, e não a capital paranaense, como foro competente. A extinção dos processos restaura integralmente os direitos políticos de Lula, habilitando-o novamente a concorrer à Presidência.

    1º de julho de 2021

    O STF abre o chamado Inquérito das Milícias Digitais, para investigar a organização e o financiamento de grupos que disseminam fake news e ameaças contra autoridades por meio das redes sociais. Sob a relatoria de Alexandre de Moraes, o procedimento é responsável por diversas ações de busca e apreensão, prisões, suspensão de perfis em plataformas digitais e bloqueios de contas financeiras de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. 

    7 de setembro de 2021 

    Durante uma manifestação na Avenida Paulista pelo Dia da Independência, o presidente Jair Bolsonaro faz um discurso inflamado contra o STF. Bolsonaro afirma que não cumprirá mais decisões de Alexandre de Moraes, e o chama de “canalha”. “A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais”, diz o presidente. Bolsonaro ainda pressiona Luiz Fux, presidente da corte, a controlar Moraes. “Ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, afirma. O episódio marca o auge do embate entre o Executivo e o Judiciário. 

    9 de setembro de 2021

    Dois dias após os ataques ao STF, Jair Bolsonaro divulga, a pedido de aliados, uma “declaração à nação”, redigida com a ajuda do ex-presidente Michel Temer. No texto, Bolsonaro afirma que suas palavras foram fruto do “calor do momento”, decorrentes de “embates que sempre visam o bem comum”. O recuo, também articulado por Temer, é recebido pela opinião pública como uma tentativa de pacificação para evitar uma crise institucional mais grave. 

    22 de outubro de 2021 

    O canal de notícias conservador Terça Livre, comandado pelo jornalista Allan dos Santos, anuncia o fim das atividades após ser banido de todas as plataformas e ter as contas bancárias bloqueadas pela Justiça. A ordem parte de Alexandre de Moraes, sob a alegação de que o conteúdo divulgado pelo veículo, investigado no Inquérito das Fake News, é “ilícito e criminoso”. 

    21 de julho de 2022 

    O PT oficializa a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República nas eleições de 2022. Geraldo Alckmin, seu antigo adversário, é anunciado como vice. A chapa representa uma aliança de centro-esquerda, que reúne desde o PCdoB até o PSB, em uma estratégia para formar uma frente ampla contra Jair Bolsonaro. 

    23 de agosto de 2022  

    A Polícia Federal realiza buscas e apreensões na casa de empresários apoiadores de Bolsonaro — por determinação de Alexandre de Moraes, no âmbito do Inquérito das Milícias Digitais. A operação é motivada por mensagens trocadas num grupo privado no WhatsApp, em que os participantes mencionam a palavra “golpe” numa conversa sobre uma eventual vitória de Lula nas eleições. 

    20 de outubro de 2022 

    O Tribunal Superior Eleitoral, sob a presidência de Alexandre de Moraes, determina a remoção preventiva de um documentário da produtora conservadora Brasil Paralelo sobre o sistema eleitoral brasileiro. O filme, intitulado “Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?”, é proibido de ir ao ar mesmo antes de seu lançamento, por ser considerado propaganda eleitoral irregular. A decisão levanta debates sobre censura prévia e liberdade de expressão. 

    23 de outubro de 2022 

    Em sua casa no interior do Rio de Janeiro, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) lança granadas e atira de fuzil contra agentes da Polícia Federal que tentam cumprir um mandado de prisão expedido por Alexandre de Moraes. Dois policiais são feridos. Jefferson, alvo de investigações no Inquérito das Milícias Digitais, entrega-se horas depois do cerco e é preso.  

    29 de outubro de 2022 

    Na véspera do segundo turno das eleições, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) é provocada por um homem em São Paulo e, ao reagir, cai no chão. Ela saca uma pistola e o persegue pela rua enquanto é filmada. O caso leva a parlamentar a se tornar ré no STF pelos crimes de porte ilegal de arma e constrangimento ilegal.

    30 de outubro de 2022 

    Luiz Inácio Lula da Silva vence Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais por uma margem estreita de 50,9% a 49,1% dos votos válidos. A vitória marca o retorno do PT ao poder após seis anos.

    1º de janeiro de 2023 

    Lula toma posse como presidente da República pela terceira vez. A cerimônia é marcada por um forte esquema de segurança e a ausência de seu antecessor, Jair Bolsonaro, em viagem pelos Estados Unidos. 

    8 de janeiro de 2023 

    Em protesto contra o resultado das eleições, apoiadores de Bolsonaro invadem e depredam as sedes dos Três Poderes em Brasília. O episódio resulta na prisão de cerca de 1,5 mil pessoas, além da abertura de um inquérito para investigar os responsáveis e financiadores dos atos. 

    9 de janeiro de 2023 

    Alexandre de Moraes determina o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por 90 dias, após considerar que houve descaso e omissão por parte de Rocha diante dos atos de 8 de janeiro.

    14 de janeiro de 2023 

    Anderson Torres, secretário de Segurança do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, é preso por ordem de Alexandre de Moraes. Torres é acusado de omissão e conivência com os atos do 8 de janeiro. 

    14 de junho de 2023  

    Alexandre de Moraes ordena o bloqueio dos perfis do influenciador digital Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark. A decisão, tomada no âmbito do Inquérito das Fake News, considera que o comunicador divulga “notícias fraudulentas” sobre o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. Em setembro, Monark anuncia sua mudança para os EUA, onde pode continuar trabalhando. 

    21 de setembro de 2023 

    O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, tem sua delação premiada homologada por Alexandre de Moraes. Preso desde maio, no âmbito de uma investigação sobre fraudes em cartões de vacinação da família de Bolsonaro, o militar revela em seu depoimento detalhes sobre um suposto plano de golpe de Estado. A delação se torna a peça central das investigações acerca da chamada “trama golpista”.

    4 de abril de 2024 

    Em colaboração com a Gazeta do Povo, o jornalista americano Michael Shellenberger divulga documentos internos do Twitter que revelam supostas interferências de autoridades brasileiras sobre a plataforma — entre elas, o ministro Alexandre de Moraes. Chamados de Twitter Files, os arquivos levantam dúvidas sobre os métodos usados por Moraes no combate à desinformação. O episódio inicia uma tensão entre o ministro e o empresário Elon Musk, responsável por encaminhar a documentação para Shellenberger, após comprar a rede social. 

    30 de agosto de 2024

    Elon Musk faz duras críticas ao ministro Alexandre de Moraes em sua conta no X (ex-Twitter). Segundo Musk, “o Brasil é controlado por um ditador tirânico disfarçado de juiz”, em uma referência direta a Moraes. O bilionário ainda compartilha um post de Michael Shellenberger no qual o jornalista diz que o presidente Lula e o ministro “estão se preparando para fechar o X poucas semanas antes das eleições”. Naquele mesmo dia, o juiz determina a suspensão da plataforma no Brasil, alegando que a rede não obedeceu sua ordem de instituir um representante legal no país. 

    18 de março de 2025 

    O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirma estar em “exílio” nos EUA e declara que prefere morrer a ser preso no Brasil. O filho do ex-presidente alega sofrer perseguição política por parte de Alexandre de Moraes, a quem acusa de abuso de poder. Ele inicia articulações, junto a parlamentares do Partido Republicano, para que o governo americano tome medidas contra as autoridades brasileiras. 

    18 de julho de 2025 

    Alexandre de Moraes ordena que Jair Bolsonaro use tornozeleira eletrônica como medida cautelar no âmbito das investigações sobre a suposta tentativa de golpe de Estado. A determinação ainda inclui recolhimento domiciliar à noite e nos fins de semana, a proibição de acesso às redes sociais e o impedimento de se comunicar com diplomatas estrangeiros e outros investigados no processo.

    No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anuncia a retirada dos vistos de Alexandre de Moraes e “seus aliados” no STF, alegando violações aos direitos humanos e à liberdade de expressão. A decisão abre uma crise diplomática sem precedentes entre o Brasil e os Estados Unidos. 

    30 de julho de 2025 

    O governo dos Estados Unidos aplica sanções contra Alexandre de Moraes com base na Lei Magnitsky, que permite punições contra autoridades estrangeiras acusadas de violações dos direitos humanos. As penalidades incluem o congelamento de eventuais bens de Moraes nos EUA e a proibição de sua entrada no território americano. 

    4 de agosto de 2025 

    Alexandre de Moraes determina a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro. Segundo o ministro, o ex-presidente descumpriu as regras impostas pelo STF ao continuar usando as redes sociais para atacar as instituições. Em sua decisão, Moraes afirma que Bolsonaro produziu conteúdo com instigação à corte para publicação em perfis de apoiadores políticos.


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