Enquanto o Supremo Tribunal Federal promove uma série de ataques explícitos às prerrogativas da advocacia e à própria Constituição Federal — silenciando advogados, relativizando garantias legais e atropelando o devido processo legal — a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em sua instância nacional, parece mais preocupada com... novelas.
Sim, novelas.
A direção do Conselho Federal da OAB foi às redes sociais criticar a ausência de advogados em uma cena fictícia da novela Vale Tudo, da TV Globo. Em sua manifestação, a entidade lamenta que personagens estivessem prestando depoimento sem defensores e reforça que "na vida real, isso não valeria". A publicação cita o artigo 133 da Constituição — “O advogado é indispensável à administração da Justiça” — como se o alerta tivesse valor jurídico diante da ficção televisiva, ao mesmo tempo em que ignora a gravidade dos abusos reais contra a advocacia em pleno solo brasileiro.
A manifestação da OAB sobre uma novela de ficção soa como deboche aos milhares de advogados que vêm sendo calados, perseguidos, censurados ou ignorados quando denunciam o arbítrio judicial de determinadas instâncias do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal.
Silêncio absoluto da entidade quando ministros do STF:
Ignoram pedidos de habeas corpus;
Prendem cidadãos e profissionais sem processo regular;
Criminalizam opiniões políticas e o exercício da advocacia combativa;
Investigam e punem de ofício, sem provocação ou instância legítima;
Proíbem advogados de acessarem autos, atenderem clientes ou se manifestarem publicamente.
Diante de tudo isso, a OAB se cala. Não emite notas. Não organiza coletivas. Não convoca conselhos seccionais. Não propõe ações. Mas quando uma cena de novela mostra um interrogatório sem advogado, a instituição corre para os holofotes e ocupa espaço no X (ex-Twitter), como se fosse essa a prioridade da categoria.
Essa postura revela o grau de desconexão entre a cúpula da OAB e a base da advocacia brasileira. Enquanto nas comarcas e tribunais os profissionais enfrentam diariamente violações às suas prerrogativas, intimidações e dificuldades para exercer a profissão com dignidade, a direção nacional parece mais inclinada a monitorar roteiros de televisão do que a enfrentar a escalada autoritária que fragiliza o Estado de Direito.
É emblemático que a OAB prefira militar contra um produto de entretenimento, mas mantenha silêncio sepulcral diante do avanço de práticas inquisitórias e do desequilíbrio entre os Poderes da República. Advogados perseguidos politicamente, censura a manifestações de defesa, restrições ilegais ao direito de petição e até confisco de bens sem sentença transitada em julgado não parecem indignar a instituição que deveria ser, por excelência, a guardiã da legalidade e da cidadania.
A advocacia brasileira — combativa, plural, cansada de hipocrisias — clama por uma OAB que honre o artigo 133 da Constituição não apenas para citar novelas, mas para lutar contra o verdadeiro autoritarismo real que assola o país. Não é de entretenimento que precisamos ser salvos. É da omissão da própria OAB diante dos desmandos do poder.
Quando a realidade é ignorada e a ficção ganha protagonismo, algo muito errado está acontecendo com as instituições que deveriam nos defender.