“Ó micênios, vinde à ágora! Vinde admirar as façanhas terríveis de nossos felizes chefes!”
(Eurípides, Electra)
Era uma vez um palácio que falava. As portas se abriam sozinhas, as luzes piscavam conforme o humor da dona da casa, e os tapetes cochichavam entre si a cada visita da imprensa. No centro do encanto, ela: a rainha encantada da República, vestida com a autoridade de quem nunca disputou eleição, mas manda mais que muito ministro. Os criados vestem ternos, os espelhos lhe obedecem, e toda agenda tem sua bênção. O palácio virou casa de boneca com orçamento ilimitado.
E quem paga é você.
Primeira-dama? Ela não atende por esse nome. Prefere ser lembrada pelo timbre do ofício que ela mesma inventou: ministra sem pasta, conselheira sem voto, autoridade sem freio. Seu gabinete não existe, mas tem equipe. Sua função não está na Constituição, mas tem decreto. Escreve discursos, desfaz protocolos, organiza comitivas, cancela ministros — tudo com o sorriso de quem aprendeu a governar sem assinar nada. De papel passado, só o casamento. O resto é influência por encantamento.
E quem paga é você.
Quando ela viaja, os ventos mudam de direção. Vai à Índia e dança; vai à China e dá conselhos ao camarada Xi; vai a Paris e leva fotógrafos encantados, malas discretas e agendas paralelas. Em toda comitiva, há uma aura de missão invisível. Ela desembarca primeiro, revisa roteiros, dispensa cerimonialistas — porque o cerimonial agora é ela. O avião presidencial virou carroça de Cinderela com turbina. O mundo assiste, meio perplexo, meio rendido.
E quem paga é você.
Com tanto encantamento, era natural que Sua Majestade tropeçasse na própria capa. Em Nova Délhi, foi barrada de uma foto por Modi. Em Washington, apareceu entre Lula e Biden como se fosse busto de bronze. Em meio à tragédia no Sul, dançou no aeroporto. Mandou Musk àquela parte, vazou a águia da Portela, opinou sobre presidentes que “não deveriam estar ali” — tudo com o à-vontade de quem acredita ser personagem central da História.
E quem paga é você.
Toda república popular tem sua fada tutelar. Na China, foi Madame Mao, que trocou cem flores pela Revolução Cultural. Na Nicarágua, Rosario Murillo reina em tons de púrpura e censura. Aqui, temos ela: sem partido, sem cargo, mas com todos os anéis do poder. A cada gesto, um aceno às cortes do passado; a cada decreto, uma pétala a mais em seu ministério secreto. Não decreta, mas veta. Não assina, mas pauta. Não foi eleita, mas dá expediente. É o poder doméstico transformado em doutrina.
E quem paga é você.
Enquanto o palácio reluz em tons de série original, o povo rala em cores cruas. A cada novo feitiço, um imposto. A cada novo decreto, uma taxa. Enquanto a dama encantada desfila entre cúpulas e camarotes, o cidadão comum tenta entender em qual sessão foi hipnotizado. Não há como escapar: a comitiva cresce, a conta também. E quando o espelho mágico do governo pergunta quem manda no reino encantado, ele responde com voz suave: “É ela, majestade sem urna.”
E quem paga é você.
Você acorda cedo, encara o trânsito, engole o café. Trabalha duro, sofre os impostos, diminui as compras, parcela a saúde e a educação. Anda com medo, mas paga pela segurança. Reclama baixinho, mas não pode faltar ao serviço. Enquanto ela acena da comitiva, você segura a sacola, o volante, o carnê.
Afinal, quem paga é você.