É assustador — e profundamente antidemocrático — ver um ministro do Supremo Tribunal Federal agir como se fosse um monarca judiciário imune a limites territoriais ou ao respeito ao Estado de Direito.
O caso de Flávia Magalhães Soares, cidadã brasileira com nacionalidade americana, expõe de forma crua como o ativismo judicial pode se transformar em arbítrio.
Entre publicações e prisões: o pretexto para o autoritarismo
As investigações contra Flávia começaram após uma publicação no então twitter, na qual ela afirmava que o Alexandre de Moraes havia visitado o líder da facção PCC em um presídio de Brasília.
Para o supremo ministro, tratou-se de “notícias fraudulentas” que justificavam abertura de inquérito.
Mas o que era sofrimento de controle de narrativa, tornou-se castigo antecipado: bloqueio de conta na plataforma X (Twitter), solicitação de dados pessoais, apreensão de passaporte, bloqueio de perfis, e, por fim, a decretação da prisão preventiva em fevereiro de 2024. Mas ela é cidadã americana e mora nos USA, aonde inclusive ficava sua conta do X.
A defesa a época denunciou que não teve acesso aos autos, qualificando as medidas como “escárnio”, e questionou a competência do STF sobre o caso.
Moraes, por sua vez, impôs multa diária de R$ 20 mil caso ela continuasse a promover conteúdo considerado desinformativo ou ofensivo às instituições e pasmem, determinou a prisão da cidadã americana.
A expansão do poder pessoal sobre o Estado institucional
O que se vê, portanto, não é apenas uma disputa judicial: é uma escalada do poder individual sobre os limites constitucionais e territoriais.
Quando um magistrado passa a determinar sanções que variam desde bloqueios de rede social até prisão preventiva, com uma operação midiática e simbólica, ele deixa de ser o árbitro imparcial da lei e se transforma em protagonista do espetáculo.
O ponto mais grave: a possibilidade — ou ao menos o receio — de captura em solo americano. Embora nenhum indício público comprove que tal operação tenha sido efetivamente executada no país, em um evento em solo americano, a cidadã Flávia foi avisada pela organização que ela estava sendo vigiada e a aconselhou a não se manifestar e ficar em uma barraca de atendimento. Flávia chegou a declarar que recorreu a medidas para se “esconder”, por medo de ser presa ainda nos EUA. Esse tipo de intimidação, ainda que velada, já configura um elemento de coerção extraterritorial que rasga tratados internacionais de cooperação e soberania de nações.
Se Alexandre de Moraes tivesse à disposição as forças brasileiras para agir fora do Brasil sem respaldo legal, estaríamos diante de algo que ultrapassa a jurisdição: seria invasão, abuso flagrante e ataque à Constituição norte-americana — que protege o direito à liberdade, ao devido processo e à jurisdição territorial sobre seus cidadãos.
Democracia ameaçada por quem deveria defendê-la
Se o poder do STF, em vez de guardião da Constituição, se transforma em instrumento de censura política, não há força institucional que suporte uma democracia. Um juiz que persegue vozes dissonantes, que desloca sua autoridade além das fronteiras nacionais, que pune por opinião, está mandando um recado: opine à sua conta e risco.
O Brasil precisa urgentemente retomar os freios institucionais. É preciso discutir limites do ativismo judicial — não como questão partidária, mas como questão de regime político. Porque, quando a toga vira simbolismo de coerção, e o medo substitui o debate, não há democracia que sobreviva.
Flávia Magalhães é, neste momento, figura simbólica de uma disputa: não é apenas ela que mora nos EUA, é toda democracia brasileira que se vê ameaçada por esse tipo de atuação. E questionar não é crime — mas silenciar pode ser o primeiro passo da servidão.