Apesar de tudo isso, o ministro Moraes está lá. Como foi acontecer um negócio desses? Ou, de novo: onde ele acertou? Acertou em muita coisa, essa é que é a verdade — e a primeira delas é que entendeu melhor do que ninguém a força e a utilidade da coragem num país em que o ecossistema político é habitado majoritariamente por covardes. Moraes é um homem destemido — assume riscos, enfrenta adversidades e não foge da briga. No Brasil de hoje, faz toda a diferença. O segundo ponto a favor é que soube escolher o lado certo da disputa política atual: percebeu, no momento adequado, que é mais rentável ficar a favor do Brasil do atraso, centrado no Sistema Lula, do que a favor do Brasil do progresso. (Imaginem se tivesse ficado com Bolsonaro e feito as coisas que fez — se tivesse, por exemplo, trancado na Papuda 1.500 agentes do MST que invadem fazendas e destroem propriedade pública. Estaria hoje no Tribunal Internacional de Haia, respondendo por crimes contra a humanidade.) Entendeu, também, que as instituições brasileiras são amarradas com barbante — e iriam se desfazer diante do primeiro homem decidido a falar grosso, desde que tivesse apoio da esquerda e vendesse a ideia de que está violando a lei para salvar a “democracia”. Com instituições fortes Moraes simplesmente não seria o que é; sua carreira já teria acabado por decisão do Senado Federal.
Passou para o lado da confederação anti-Lava Jato que levou Lula ao poder e, aí, soube assumir o papel de astro do filme — entre outras coisas, como presidente do TSE, foi quem realmente colocou o chefe do PT na Presidência da República
O ministro, igualmente, descobriu que não precisava ter medo de militar — e que isso é uma vantagem decisiva. O regime militar já acabou há quase 40 anos, mas o político brasileiro continua pensando nas Forças Armadas como se elas decidissem alguma coisa — os políticos e as multidões que foram para a frente dos quartéis após as eleições de 2022, na ilusão de que estavam “do mesmo lado”. (O Exército estava, como se viu, do lado da polícia.) Moraes nunca perdeu seu tempo com isso. Foi fazendo o que achou que tinha de ser feito, sem se preocupar com o que poderiam pensar os generais de Exército ou os almirantes de esquadra — e hoje deve estar convencido de que leu acertadamente as coisas. Por que não? Moraes acaba de colocar na cadeia um tenente-coronel da ativa, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, algo expressamente proibido em lei — ele só poderia ter sido preso em flagrante, e não houve flagrante algum. O comandante do Exército não deu um pio. Não se tratava de desafiar o STF, ou quem quer que seja; bastaria dizer que o Exército exige o cumprimento das leis em vigor no Brasil. Ele não vive dizendo que é a favor da “legalidade?” Então: era só cumprir o que diz. Não aconteceu nada.
Outra vantagem para o ministro é a sua capacidade de ignorar a opinião pública. Poucas vezes na história deste país uma autoridade do Estado conseguiu ter uma imagem tão horrível quanto a de Moraes — mas ele não faz nem deixa de fazer nada por causa do que “estão pensando”. O político brasileiro médio passa mal quando se vê fazendo, ou tentando fazer, alguma coisa que pode desagradar o eleitorado — afinal, é dos seus votos que ele vive. O ministro não liga a mínima; não é assim, simplesmente, que ele funciona. Ao contrário, fica mais radical, agressivo e perigoso a cada contrariedade. Ele deixou isso muito claro, entre outros episódios, com sua reação às imensas manifestações de rua do ano passado, e de antes, a favor de Bolsonaro — a quem escolheu como seu inimigo número 1. Em vez de se assustar com aquelas multidões todas, resolveu meter as multidões na cadeia. Deu certo, afinal: a 8 de janeiro ele conseguiu prender 1.500 pessoas de uma vez só, como “exemplo”, e de lá para cá ninguém mais pensou em acampar na frente de quartel. Para o ministro Moraes gente na rua é uma turbina sem potência — faz barulho, mas não tira o avião da pista. Tem dado certo até agora, do seu ponto de vista: está mandando mais, hoje, do que em qualquer outro momento da sua carreira.
Moraes, enfim, tem demonstrado que sabe fazer política do lado que ganha — é o contrário de Augusto Matraga, e isso quer dizer um mundo de vantagens para quem tem ambições de subir na vida pública. No momento mais indicado, soube trocar a direita “autoritária”, onde nasceu, pela esquerda que seria levada ao poder no movimento mais poderoso que já se viu até hoje na política brasileira: a guerra de extermínio contra a Lava Jato e o enfrentamento à corrupção. Passou para o lado da confederação anti-Lava Jato que levou Lula ao poder e, aí, soube assumir o papel de astro do filme — entre outras coisas, como presidente do TSE, foi quem realmente colocou o chefe do PT na Presidência da República. É certo, também, que manda mais do que ele. Vivem os dois, hoje, num contrato de assistência mútua. Moraes dá proteção a Lula, defende os interesses do seu sistema e garante a segurança do universo lulista — para ficar num exemplo só, não incomodou, em quatro anos com os seus inquéritos policiais, um único simpatizante da esquerda. Quer dizer que ninguém do PT, para não falar do próprio Lula, divulgou uma fake news, nem umazinha, nesse tempo todo? É puro Moraes. Em compensação, nem Lula, nem a esquerda e nem ninguém do governo está autorizado a incomodar o ministro no que quer que seja. É a harmonia entre os Poderes.