Análise: Mais um equívoco do STF

Por Ricardo Alexandre da Silva

    19/08/2025 10h41 - Atualizado há 9 horas

    Na tentativa de blindar Moraes, Dino cometeu um erro jurídico gravíssimo, violando a autonomia dos municípios

    O STF tem atuado corriqueiramente à margem do Direito. Os exemplos são muitos: inquérito sem fim baseado em artigo do regimento interno, audiência de conciliação entre Poderes da República quando do aumento do IOF, inclusão de brasileiros sem prerrogativa de foro em processos julgados pela Corte, avocação de autos e anulação de decisão de juiz competente.

    Há um pouco de tudo. Ampliando essa lista incômoda, o ministro Flávio Dino proferiu decisão monocrática, na ADPF 1178, por meio da qual proibiu que municípios ajuízem demandas em jurisdições estrangeiras e decretou a ineficácia jurídica de decisões judiciais e de atos normativos de outros países. Não é preciso muito esforço para perceber a intenção do ministro.

    ADPF é a sigla por meio da qual se indica a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. É mais uma dentre as medidas do amplíssimo rol de mecanismos de controle de constitucionalidade brasileiro. Em linhas gerais, destina-se a combater violações de direitos fundamentais que não sejam protegidas pelas outras ações constitucionais – a ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) e a ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão).

    Após os desastres de Mariana e de Brumadinho, diversos municípios brasileiros propuseram ações no exterior, buscando reparação de danos. A ADPF 1178 foi proposta pelo IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração, contra essas municipalidades, com, o objetivo de impedi-las de litigar perante jurisdições estrangeiras.

    O fundamento invocado é a violação à soberania brasileira e ao pacto federativo, bem como às regras de organização do Poder Judiciário e aos princípios da Administração Pública.

    Em 18 de agosto, Flávio Dino proibiu as municipalidades de demandarem em outros países, sob o frágil argumento de que isso violaria a soberania brasileira, afrontando o art. 21, inc. I, da Constituição. Errado! Os municípios, como reconhece a CF no art. 18, têm autonomia, podendo, portanto, adotar as medidas mais adequadas à defesa de seus interesses.

    Só haveria violação à soberania brasileira se usurpassem a prerrogativa da União de representar o Brasil nas relações exteriores. É claro, porém, que não se trata disso! Pessoas físicas e jurídicas, como os municípios, sempre puderam litigar no exterior, sem que jamais se imaginasse qualquer violação à soberania nacional.

    Sempre lhes foi permitido celebrar contratos com entidades estrangeiras e promover licitações internacionais, escolhendo outros países como local de resolução dos litígios. Se o argumento de Dino fosse correto, isso seria proibido. Além disso, se os municípios fossem obrigados a demandar perante o Judiciário nacional, não poderiam participar de litígios arbitrais, prática prevista em lei e cada vez mais comum.

    Ao litigar no exterior, pretendem o rápido ressarcimento de seus prejuízos, atingindo as empresas estrangeiras em seus domicílios. Buscam, em resumo, maior efetividade, sendo esta um dos princípios da Administração Pública.

    A Lei Magnitsky, aplicada pelos Estados Unidos contra Alexandre de Moraes, não foi indicada em nenhuma passagem da decisão, mas é óbvio que Flavio Dino pretende evitar que seu colega de Corte seja atingido pelas severas consequências do ato normativo norte-americano.

    Essa é a razão pela qual sua liminar destaca a ineficácia, no Brasil, de atos normativos do exterior. Na tentativa de blindar Moraes, Dino cometeu um erro jurídico gravíssimo, violando a autonomia dos municípios.

    A decisão de Dino, além de juridicamente incorreta e prejudicial aos municípios, não protegerá Moraes. E isso por um motivo muito simples: empresas norte-americanas estão submetidas à Lei Magnitsky. Não podem ter relações comerciais com os sancionados, nem com empresas que com eles se relacionem.

    Para dar um exemplo, os bancos em que Moraes tiver uma conta não poderão realizar qualquer negócio com empresas americanas, dentro ou fora dos Estados Unidos. Não é preciso ser um gênio das finanças para perceber que nenhum banco brasileiro sobreviverá se for excluído do mercado americano.

    Embora seja inócua, pois incapaz de obrigar as empresas americanas a negociarem com entidades nacionais que se relacionem com Moraes e outros atingidos pela Lei Magnitsky, a decisão de Dino tem enorme potencial destrutivo. Sua aplicação poderá excluir diversos setores empresariais brasileiros do mercado americano, condenando-os à quebra.

    É ainda mais lamentável que a autonomia dos municípios brasileiros, doravante proibidos, sem previsão legal, de litigar no exterior, tenha sido atingida de roldão. A liminar proferida na ADPF 1178 reúne todos os equívocos que tristemente têm marcado decisões recentes do STF: usurpa atribuição do Legislativo, traz insegurança jurídica e apresenta potencial econômico destrutivo. Triste sinal dos tempos…

     

    * Ricardo Alexandre da Silva é advogado; doutor em Processo Civil pela UFPR e membro da Lexum.


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